Por Rafael Marko 30/10/2015 11:11:51
A indústria imobiliária vai atuar junto a Executivo, Legislativo e Judiciário em favor de um equilíbrio maior entre vendedores e compradores, quando ocorrer o distrato da aquisição do imóvel novo por desistência do adquirente – o que ocasiona prejuízos à construtora ou à incorporadora.
Esta foi a conclusão de seminário realizado em 28 de outubro pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP) em sua sede em parceria com a Federação Internacional Imobiliária (Fiabci-Brasil) e participação da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) e do Sindicato da Habitação (Secovi-SP).
O advogado e diretor da Fiabci-Brasil, Marcelo Terra, defendeu um trabalho de aperfeiçoamento da legislação e de convencimento junto ao Judiciário, sobre a interpretação e a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos distratos, em diálogo com a Lei das Incorporações.
Terra assinalou que o artigo 53 do CDC admite implicitamente que a construtora ou a incorporadora tem o direito de não devolver integralmente os valores pagos pelo comprador que fizer o distrato. “O artigo estabelece, nos contratos imobiliários, a nulidade das cláusulas que estabeleçam a ’perda total’ das prestações pagas pelo comprador.”
Terra defendeu o restabelecimento, com uma redação atualizada, e mais precisa, do parágrafo 1º do artigo 53, que havia sido vetado na edição do CDC. O texto dizia que, no distrato, o comprador teria direito a restituição de valores pagos, “descontada a vantagem econômica auferida com a fruição”.
Ele também sugeriu outras medidas, tais como mais informação e esclarecimento, penalização de eventual má-fé do adquirente, uma agenda positiva junto ao Poder Executivo e Legislativo, e a correção do rumo atual da Jurisprudência sobre distratos.
O advogado Rodrigo Bicalho, integrante do Conselho Jurídico do SindusCon-SP, alertou para a escassa doutrina moderna em relação ao assunto, “tendenciosa e pró-consumidor”, que afeta os empreendimentos, encarece seus custos e, por consequência, acaba prejudicando por tabela os potenciais adquirentes da casa própria.
A Lei de Incorporação (Lei 4.591/64) não dispõe sobre os efeitos dos distratos e prevê que o contrato de compra e venda de uma unidade é irrevogável e irretratável.
Exemplos do exterior
Especialistas nos mercados imobiliários dos Estados Unidos, Espanha e Portugal mostraram como naqueles países as decisões judiciais em relação aos distratos obedecem de fato às cláusulas que garantem a equação financeira dos empreendimentos.
O sócio da Jones Day, Sanjiv Kapur, relatou que nos Estados Unidos, ao desfazer a aquisição do imóvel, o comprador perde o sinal de 10% (em Nova York, 25%) dado na assinatura do contrato. “Na quase totalidade dos casos em litígio, a justiça norte-americana mantém a perda do sinal.”
Já na Espanha, a desistência do contrato por parte do comprador gera multa, explicou o sócio da Cuatrecasa, Gonçalves Pereira, Andoni Hernández Bengoa. O contrato pode estipular a devolução em dobro do sinal (com exceção das regiões de Navarra e Catalunha). “O Brasil precisa estudar um seguro para ressarcir prejuízos de distratos.”
O diretor nacional do Grupo Lar Brasil, Vicente Aliño, traçou um paralelo entre a situação da Espanha e a do Brasil. Segundo ele, antes da crise de 2008, os distratos eram escassos. “Culturalmente respeitavam-se os contratos, as aquisições eram feitas por quem realmente tinha condições financeiras e se pagavam as parcelas com débito automático em conta”, afirmou. A crise imobiliária iniciada em 2008 gerou 100% de distratos e quebra de 99% das incorporadoras.
Aliño alertou que a situação no Brasil poderá se tornar ainda mais preocupante se os distratos chegarem a 50% das vendas, razão pela qual ele recomendou que a obra se inicie somente depois da realização de um elevado volume de vendas.
Em Portugal também há respeito aos contratos e devolução do sinal em dobro, informou a sócia da Cuatrecasas Gonçalves Pereira, Maria da Paz Tierno Lopes. Lá há poucos distratos também em função da conjuntura econômica. ”Hoje as construtoras se dedicam majoritariamente a realizar retrofits e edificam poucos empreendimentos novos”, afirmou.