O Brasil e a Indústria da Construção vivem uma oportunidade única e histórica com o chamado “Bônus Demográfico” (momento em que a maior parte da população está situada na idade economicamente ativa e no qual cai a taxa de dependência determinada pela relação entre crianças, adultos produtivos e idosos).
Este seria o momento estratégico para o país construir um estoque de capital físico e capital humano e se preparar para o futuro, quando a população do país terá uma participação maior de idosos. E isso se traduz na urgência por investimentos estruturantes que passam, necessariamente, pelo setor da construção. Essa foi uma das principais conclusões feitas pelo economista e filósofo Eduardo Gianetti da Fonseca em palestra realizada em São Paulo no último dia 1º de outubro, na sede da APEOP.
Segundo o economista a população brasileira triplicou em apenas 45 anos, passando de 50 milhões para 150 milhões de habitantes. Simultaneamente, a taxa de fecundidade vem caindo de modo vertiginoso. A combinação desses dois fatores criou uma janela demográfica: “temos um enorme contingente de pessoas na faixa economicamente ativa e menos crianças e velhos. Mas esse dividendo demográfico dura pouco, entre 10 e 15 anos. Se não capitalizarmos o país agora, nós vamos envelhecer sem enriquecer”, afirma Giannetti. Em outras palavras, essa é uma corrida contra o tempo, para que não envelheçamos sem que antes tenhamos produzido as riquezas econômicas e alcançado o nível de produtividade necessário que garanta mais bens e serviços com menos recursos e insumos, perenizando o crescimento e a sustentação da Economia.
Esse contingente de pessoas situadas na faixa economicamente ativa da população (segundo estudos, cerca de 70% da renda de uma pessoa acontece entre os 30 e os 50 anos) tem uma enorme demanda reprimida por moradia e – a partir da inclusão experimentada pelo país nos últimos anos, quando o acesso ao consumo foi expandido – passou a apresentar também demandas por outros serviços. Segundo Eduardo Giannetti, a sociedade brasileira tem um novo ator político que precisa ser mobilizado e que pode contribuir para a mudança das nossas condições estruturais: a nova classe média. “O país não está conseguindo atender às demandas desse enorme grupo de pessoas que ascendeu socialmente nos últimos anos. A nova classe média está comprando carro, mas está encontrando obstáculo na precariedade da infraestrutura viária. Está comprando eletrodomésticos, mas esbarra na precariedade da produção e distribuição de energia…”, afirma Giannetti.
Essa nova classe média pode ser o fiel da balança no esforço para estabelecer essas demandas como prioridades políticas para o país. Por que o anseio por moradia digna não está sendo atendido na velocidade desejada? Por que o saneamento não consegue se afirmar como prioridade apesar ser uma questão fundamental na garantia da qualidade de vida da população? Agora temos crédito, temos renda, o setor da construção está apto e preparado para atender a demanda…
No contexto atual, de crescimento da demanda, uma política habitacional voltada para a produção imobiliária formal deve ser intensificada (e perenizada) para corrigir problemas e distorções geradas pelo atraso de sua imple-menta-ção. Essa medida permi-tiria a inclusão de trabalhadores e empre-sas ao sistema econô-mico, assim como uma melhor ocupação fundiária dos espaços urbanos com habitações regularizadas que possibilitam aos proprietários transferir patrimônio e riqueza aos seus herdeiros em substituição a histórica realidade de que “pobres só herdam pobreza “. Assim a família brasileira a partir da moradia digna, dá um novo passo em suas prioridades e passa a almejar, acessar e cobrar outros bens e serviços, antes restritos a “ricos”, como melhor educação, saúde e segurança.
A força do setor da construção
O economista Eduardo Giannetti comentou que essa janela de oportunidade representada pelo dividendo demográfico não está sendo aproveitada pelo país até o momento. “Falta visão estratégica para a equipe econômica. O governo se assustou quando as medidas que deram certo no início da crise, em 2008, não surtiram efeito no momento atual. O estímulo ao consumo não deu certo e o governo teve de se render ao fato de que investir em infraestrutura era a única saída”.
Neste sentido, o segmento da construção é decisivo na formação de capital físico. O setor é o maior empregador do país, tem uma cadeia produtiva enorme… O que tem faltado à Indústria da Construção é agir coordenadamente e com foco. “Com isso, vocês seriam imbatíveis”, afirma Giannetti. “O que tem faltado é liderança para unir desde o produtor de materiais até o mercado imobiliário em um bloco; em aliança com setores do governo que são favoráveis ao desbloqueio do investimento do país e que são vozes que estão ganhando espaço”, afirma.
Como o país absorveu o impacto global
“A economia do país sempre foi hipersensível às pioras do ambiente global. Bastava uma gripe lá fora para o Brasil ter um quadro de pneumonia com internação em UTI”, comenta Giannetti. Essa situação ocasionava uma realidade em que o Banco Central era forçado a praticar aumentos cavalares das taxas de juros para proteger a economia.
Em 2008 aconteceu diferente… Nós podemos, pela primeira vez, rebaixar os Juros internos dentro de um contexto de crise internacional, algo que nunca havia acontecido no Brasil; não houve nenhuma desvalorização exagerada do Real; a nossa recessão foi a mais tênue dos mercados emergentes e também não houve nenhum risco de ameaça de que o país pudesse não cumprir seus compromissos em dia.
A primeira questão que se coloca nesse contexto é: o que mudou? Por que o país enfrentou esse período de forma tão diferente das demais crises? A resposta a essa pergunta tem três fatores:
1) A virada das contas externas…
2) O dinamismo do mercado doméstico. Algo que tem muita relação com o setor da construção
3) E, por fim, a manutenção das políticas macroeconômicas.
O economista Eduardo Giannetti explica que a virada das contas externas foi possível porque o Brasil soube usar de forma muito competente o momento em que as nossas commodities agrícolas e minerais estiveram valorizadas (entre 2002 e 2007). O país acumulou grandes superávits na balança comercial e na conta corrente; e graças e esse fator, conseguiu reduzir os passivos externos líquidos (seu nível de endividamento público e privado com o resto do mundo). Quando a crise nos atingiu, nós não dependíamos em nada de financiamento externo.
Quanto ao dinamismo do mercado interno, o economista alerta para dois aspectos importantes… Em primeiro lugar, o Brasil ainda é uma economia relativamente fechada. O fluxo de comércio (importações mais exportações) representa cerca de 20% do PIB. O segundo fator é a expressiva mudança na estrutura social brasileira verificada nos últimos anos (a partir dos anos 2000) com a redução expressiva da pobreza extrema e o crescimento da classe média, com a incorporação de 35 milhões a 40 milhões de brasileiros. As estatísticas mostram que a taxa de crescimento dos 10% mais ricos do país foi semelhante ao crescimento do PIB Alemão entre 2001 e 2009, já a taxa de crescimento dos 10% mais pobres foi semelhante ao crescimento do PIB da China.
Complementando o raciocínio, o economista Eduardo Giannetti detalha a importância da continuidade das políticas macroeconômicas. “O Brasil conseguiu fazer a alternância de poder de forma muito madura; mantendo os pilares da política econômica (superávit primário, câmbio flutuante e a independência do Banco Central no cumprimento das metas de inflação).
Qual o momento atual?
O PIB brasileiro de 2010 dava a impressão de que havíamos encontrado finalmente o caminho do crescimento asiático, comenta o economista Eduardo Giannetti. Tínhamos inflação dentro da meta, crescimento de 7,5%, investimentos estrangeiros, endividamento público sob controle… Tudo aparentava que teríamos um crescimento sustentado. Evidentemente que não era assim… O Brasil estava tentando dar um passo maior que a perna, comenta. Claramente, os números de 2011 e 2012 estão agora aquém do nosso limite de velocidade e o desafio é entender porque uma economia oscila desse modo.
Em 2010 o setor da construção entrou em um estado de euforia preocupante, avalia Giannetti. “Muita gente meteu os pés pelas mãos no setor da construção porque se encantou com essa novidade e não conseguiu compreender que aquilo era um ponto fora da curva”, comenta. Naquele ano nós, basicamente, usamos a reserva de capital humano e do parque produtivo que estava ocioso. Isso gerou uma recuperação cíclica que permitiu expandir a oferta de modo muito rápido, sem aumentar o investimento. A economia brasileira faz muito bem esse movimento.
O problema de crescimento no Brasil começa quando você esgota essa reserva de capital físico e humano e precisa crescer formando um novo estoque de capital; o que requer poupança e investimento. Isso sim é crescimento sustentável. Um modelo de crescimento onde você transfere recursos do presente para o futuro e com base nesse estoque continua crescendo, afirma o economista. Eduardo Giannetti aponta que o ritmo ideal e sustentável de crescimento da economia brasileira seria em torno de 4% do PIB ao ano.
Capital Humano X Capital Físico
O economista chama atenção para um ponto especialmente importante para a Indústria da Construção que é a oferta de mão de obra qualificada. O capital humano precisa ser fortemente considerado para pensar o crescimento futuro do país. Nos Estados Unidos, por exemplo, dois terços dos investimentos em formação de capital são feitos em capital humano. “O Brasil está negligenciando esse fator fundamental para o desenvolvimento do seu estoque de capital. Nós universalizamos o ensino fundamental com um século de atraso com relação aos Estados Unidos, mas essa universalização não foi pra valer”, complementa.
O mesmo vale para o tema do saneamento. O economista chama atenção de que fazer saneamento é investir em capital humano. “Há estudos que mostram o impacto que a falta de saneamento gera sobre a capacidade cognitiva de crianças que vivem em áreas sem coleta de esgoto e lixo ou abastecimento de água potável”, afirma Giannetti.
Cenário Futuro
O economista afirma que, no curto prazo, o país deve seguir relativamente bem. A economia brasileira volta a se aquecer (ao que tudo indica já a partir do último semestre desse ano). Mas o maior erro que se poderia cometer agora seria acreditar que esse momento circunstancial será regra. Nossos problemas reais, relativos à baixa poupança e baixo investimento em capital físico e capital humano permanecem graves e preocupantes.
Segundo Giannetti, o grande teste da nossa macroeconomia deve ser enfrentado em 2013. Nesse momento, nós estaremos perto da velocidade de cruzeiro e as pressões geradas pelo cresci-mento da demanda por bens e serviços devem começar a se materializar (em meados do ano que vem). Ele acredita que algum aperto de política monetária terá de ser praticado, mesmo que em um nível menor que o realizado em anos anteriores. “Nós não vamos voltar a juros de dois dígitos, mas o governo deverá ser mais flexível com a inflação. O governo está querendo fazer mais do que ele realmente tem instrumentos para alcançar: ele quer cumprir a meta de inflação, quer manter o câmbio em torno de dois reais por dólar, e quer alcançar um patamar de crescimento em torno de 4% ao ano. Não dá para fazer tudo ao mesmo tempo. O governo vai ter de escolher”…
Crescimento e produtividade
O Brasil aproveitou os anos dourados (entre 2002 a 2007) para melhorar a sua macroeco-nomia. Agora, é a hora do investimento. Se, em um primeiro momento o nosso crescimento esteve fortemente baseado no estímulo ao consumo interno e no bônus demográfico, a nossa única saída agora é aumentarmos a nossa produtividade. Essa mesma lógica vale para a Indústria da Construção.
Parte significativa do aumento da produção brasileira foi resultado do momento demográfico favorável, que aumentou a disponibilidade de mão de obra. Agora, para que alcancemos um novo salto de desenvolvimento, a inovação será imprescindível.
Na Indústria da Construção, o nível de produtividade ainda é baixo; resultado principalmente dos elevados níveis de informalidade do setor. Mas o economista Eduardo Giannetti lembra que, muitas vezes, a sociedade não se dá conta de que pequenas conquistas cumulativamente podem gerar ganhos expressivos na linha do tempo.
Se a produtividade em uma empresa aumenta 3,5% ao ano, essa empresa dobra de faturamento em 20 anos. Se a produtividade dessa mesma empresa sobe 5% ano (somente 1,5% a mais), o faturamento dessa empresa dobra em 14 anos. A lógica é a mesma do juro composto, só que neste caso positivamente. O ganho de produtividade também é composto na linha do tempo. Os países que hoje são extremamente produtivos construíram esse resultado a partir de pequenos ganhos cumulativos de produtividade. “Temos de usar inteligência embutida na construção; assunto ao qual o setor precisa estar cada vez mais atento. Estamos falando do reuso da água, redução do consumo de energia, entre outros aspectos que tornem as nossas cidades mais sustentáveis…”